sábado, 30 de março de 2013

 O GLOBO

Cultura

Vale-Cultura expõe falta de cinemas e teatros no país

  • Estudo mostra que, no interior, oferta de equipamentos culturais é escassa; dinheiro pode ser gasto com livros
Fernanda Krakovics 
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Márcio Pochmann aposta em mais demanda
Foto: Agência O Globo / Fábio Rossi
Márcio Pochmann aposta em mais demanda Agência O Globo / Fábio Rossi
BRASÍLIA — Uma das principais políticas culturais do governo Dilma Rousseff, idealizada ainda no governo Lula, o Vale-Cultura esbarra na falta de cinemas, museus, teatros e centros culturais, sobretudo nos pequenos municípios e na periferia das grandes cidades, principalmente nas regiões Norte e Nordeste. Um estudo da Fundação Perseu Abramo (FPA), do PT, mostra que quase 91% dos 5.565 municípios brasileiros não possuíam cinemas em 2009, e quase 79% não tinham teatro ou sala de espetáculo. A parcela de trabalhadores que terá direito ao benefício de R$ 50 por mês poderá gastar o dinheiro na compra de livros, CDs e DVDs — os gastos permitidos serão regulamentados pelo Ministério da Cultura.
Presidente da Fundação Perseu Abramo, Marcio Pochmann aposta que, a partir do recebimento do Vale-Cultura, haverá “grande pressão” por consumo de arte e cultura nas cidades brasileiras que não possuem equipamentos culturais.
— Qual vai ser a reação do setor privado e até mesmo do setor público? Atender essa demanda? — questionou Pochmann, que é ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em debate sobre o estudo na semana passada.
Pochmann reconhece, no entanto, que a relação de demanda e oferta não é líquida e certa, no caso do Vale-Cultura.
— Pode ser que não haja mobilização, e continuaremos com nossas cidades com poucos equipamentos e a população terminará comprando os pacotes que nós já conhecemos. Essa é a dúvida — afirmou o presidente da Fundação Perseu Abramo.
Ele disse que acompanhou audiência sobre o Vale-Cultura, com a presença da ministra Marta Suplicy (Cultura), e presenciou lobby de setores como o de games (jogos eletrônicos) para serem incluídos nos gastos autorizados. A ministra causou polêmica ao declarar ao GLOBO, e depois recuar, que o benefício poderia pagar TV por assinatura.
A conclusão da FPA, “Exclusão nos equipamentos culturais e potencial do Vale-Cultura no Brasil”, é um pouco mais otimista do que Pochmann. “A proposição de garantia de uma renda pública para o trabalhador formal de até cinco salários mínimos, entre outros segmentos, poderá ampliar o acesso aos equipamentos culturais no Brasil. Ao mesmo tempo, tende a estimular a ampliação dos equipamentos de cultura, tendo em vista a existência de recursos voltados objetivamente para esse fim”, diz.
Bibliotecas e ginásios são equipamentos mais comuns
Os equipamentos públicos culturais de menor exclusão nos municípios, de acordo com o levantamento da FPA, são bibliotecas, ausentes em apenas 6,8% dos municípios. Em seguida, os estádios ou ginásios poliesportivos, ausentes em 13%, e videolocadoras, em 30%. O estudo se baseou em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Ministério do Trabalho.
Procurada, a ministra Marta Suplicy afirmou, por meio de sua assessoria, que não teve tempo suficiente para analisar o estudo, de 15 páginas. As perguntas do GLOBO foram encaminhadas na manhã da última terça-feira.
O Vale-Cultura, similar ao Vale Transporte e ao Vale Alimentação, entrará em circulação no segundo semestre e deve ter cerca de 1 milhão de usuários neste primeiro ano. A previsão é que o benefício, válido para trabalhadores que ganham até cinco salários mínimos (R$ 3.390 em valores de hoje), injete R$ 11,3 bilhões no mercado cultural nos próximos anos.
O Vale-Cultura só valerá para empresas que são tributadas com base no lucro real, em geral aquelas cuja receita bruta supera R$ 24 milhões por ano. Dos R$ 50, apenas 10% poderão ser descontados do trabalhador. Os outros 90% ficarão a cargo das empresas, que poderão deduzir até 1% do Imposto de Renda devido. O benefício será cumulativo, ou seja, o trabalhador poderá usar a sobra nos meses seguintes. De acordo com o estudo da FPA, 21,2 milhões de trabalhadores atendem aos requisitos para receber o Vale-Cultura.
Ainda de acordo com o estudo da FPA, as regiões Norte e Nordeste possuíam o maior grau de exclusão nos equipamentos culturais, e Sudeste e Sul, os menores, no ano de 2009. Os estados do Maranhão e Tocantins se destacavam por apresentar o pior cenário, enquanto os municípios do Rio apareciam na melhor situação.
“A concentração dos equipamentos públicos culturais no Brasil é um fato inegável, o que resulta em acentuado grau de exclusão de acesso da população, especialmente aquela de menor rendimento”, afirma o estudo da fundação.
O projeto do Vale-Cultura foi apresentado em 2009 e aprovado pelo Congresso três anos depois. Sua regulamentação definirá não somente os gastos permitidos, mas também critérios de atualização do seu valor de face. No intervalo entre sua apresentação e aprovação, o benefício já perdeu 17% de seu poder de compra, em razão da inflação.

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